A Ala Sombria da Desinformação

    

A desinformação funciona como neblina que baixa sobre uma cidade ainda adormecida. No início parece só um véu discreto, depois engole ruas inteiras e ninguém distingue forma alguma. A história conhece bem esse fenômeno. No século XVII, durante a peste que varreu cidades italianas, rumores sobre “untori”, supostos espalhadores secretos da doença, incendiaram a população. Um boato tomou a forma de verdade absoluta e o medo se transformou em justiça apressada. Pessoas inocentes foram perseguidas e punidas. A praga passou, mas a marca da mentira permaneceu como cicatriz em arquivos judiciais e crônicas locais. A desinformação venceu naquele instante, mas deixou claro que seu triunfo sempre cobra um preço alto do tecido social.

    O mesmo mecanismo apareceu na Europa em 1930. Teorias fabricadas contra grupos inteiros criaram uma realidade paralela que serviu de combustível para políticas violentas. A desinformação ali não foi erro casual, mas ferramenta. A propaganda distorceu fatos e repetiu falsidades até que soassem naturais. O resultado é conhecido e ainda estudado. A mentira quando institucionalizada não só altera percepções, altera destinos. Age como ácido, corroe convicções éticas, dissolve a autonomia de julgamento e transforma cidadãos em peças movidas por medo e ressentimento.

    Um rumor é como uma gota de tinta jogada num copo de água. No início se concentra no fundo, mas em poucos movimentos se espalha por todo o líquido, deixando-o turvo. A informação falsa opera do mesmo modo. Começa pequena. Depois domina as conversas. Deforma decisões públicas. Orienta crenças que passam a ocupar o lugar de fatos verificáveis. E como toda solução contaminada, exige processo lento e disciplinado de filtragem. Não há remédio instantâneo.

    Uma antiga parábola medieval fala de um viajante que espalha penas ao vento para simbolizar histórias distorcidas. Quando tenta recolhê-las, percebe que já cruzaram vales e montanhas. A desinformação funciona como essa alegoria. Uma vez liberada, toma trajetórias quase impossíveis de rastrear. Seu desfecho raramente é benigno. Rompe laços, abala confiança institucional e destrói reputações que levam anos para cicatrizar. Nada disso ocorre por magia, mas por dinâmica humana previsível.

    Ao observar esses episódios, fica evidente que a desinformação jamais produz bem-estar sustentável. Ela cria soluções aparentes, mas desmorona quando confrontada por investigação rigorosa ou mais fácil quando se busca conhecer os dois lados. Manipulação de interesses pessoais. Seu poder inicial se alimenta de impulsos emocionais e de preguiça intelectual. Quando confrontada com fatos consistentes, perde cor, como tinta lavada pela chuva. 

    Sociedades que abraçam a informação verificável tendem a construir pontes sólidas; sociedades que cedem ao ruído erguem estruturas frágeis que tombam na primeira ventania. A história não deixa margem para dúvidas. A desinformação não ilumina. Apenas produz sombras mais densas; e o destino não é nada complacente com quem as propagou.


Nota:
Versão original em português (2023): A Ala Sombria da Desinformação
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